São Francisco e os Penitentes

“FRANCISCO E SEUS PRIMEIROS COMPANHEIROS VESTEM O HÁBITO PENITENCIAL”

Na época de São Francisco pertencer a Ordem dos Penitentes representava um estado definitivo e permanente de vida, semelhante ao estado religioso. Uma situação canônica diferente dos modernos grupos da Igreja, em que reinam a máxima espontaneidade. Dóceis à ação do Espírito Santo, os Penitentes voluntários viviam em fraternidades conforme a um mesmo projeto e forma de vida, um propositum.

Isto significa que “no meio”, entre os “Penitentes voluntários” e a “Ordem dos monges” se encontram os Conversos, homens e mulheres que seguem vivendo no mundo e exercendo sua a própria profissão (como os Penitentes), mas assumem livremente alguns compromissos próprios de monges: a castidade voluntária, jejuns, mortificações, intensa vida de oração, etc. Rejeitam o mundo e suas vaidades (=aversão) e se dedicam inteiramente a Deus (=conversão).

Neste contexto temos que colocar a figura profética de Francisco de Assis e sua missão carismática. No seu Testamento de setembro de 1226 é o mesmo Francisco que recorda comovido sua vocação a vida penitencial, graças à benevolência do Senhor. Na Igreja do seu tempo “ser penitente” identifica um tipo de vida religiosa que exige um “sair do mundo”, quer dizer, livrar-se da trama das preocupações terrenas para começar caminhos mais audaciosos numa via de perfeição evangélica.

A “penitência” ocupa, portanto, um ponto característico na experiência evangélica de São Francisco e também a Ordem dos Penitentes vive de maneira particular esta espiritualidade. O cronista Jordano de Jano escreve: “Francisco, comerciante de profissão, arrependido e movido pelo Espírito Santo, começou uma vida de penitência com o hábito de eremita”(Crônica 1: FF 2323). Depois de um sofrido itinerário vocacional, Francisco encontra a luz e a força de decisão na escuta da passagem do Evangelho sobre a missão dos apóstolos. Na igrejinha da Porciúncula Francisco compreende que não só deve viver a penitência, mas também pregar a conversão ao Senhor. Por isso, começa a pregar a penitência. Provavelmente numa terça-feira, 24 de fevereiro de 1209, festa de São Matias apóstolo.

No princípio Francisco e seus companheiros vestem o hábito eremítico, com um cordão na cintura: “Abandonada todas as coisas, os dois vestiram [Bernardo e Pedro] o mesmo hábito que há pouco havia vestido o Santo depois de deixar o hábito de eremita; e desde então viveram unidos segundo a forma do Santo Evangelho que o Senhor lhes havia manifestado”(LTC 29).

Tomaram, pois, o hábito de cor cinza dos penitentes. A Legenda dos três Companheiros diz: “Quando o bem-aventurado Francisco acabou a obra da Igreja de São Damião, vestia o hábito de eremita, levava bastão e cajado e cingido com uma correia” (LTC 25). “Chegando ao conhecimento de muitos a verdade tanto da doutrina simples como da vida do Bem-aventurado Francisco, após dois anos desde a sua conversão, alguns homens começaram a ser animados pelo exemplo dele à penitência e, tendo renunciado a todos os [seus] haveres, começaram a aderir a ele no hábito e na vida”(LTC 27). Depois da triple consulta ao Evangelho, efetuada no dia 16 de abril de 1209 na Igreja de São Nicolau, paróquia dos comerciantes, também os seguidores de Francisco vestem o hábito penitencial que Francisco havia tomado a pouco tempo, depois de haver deixado o hábito de eremita.

Começa aqui, nesta Igreja situada na praça da prefeitura de Assis, a fraternidade franciscana minorítica como comunidade feita. Em seu apostolado itinerante estes primeiros missionários franciscanos se identificam como “penitentes de Assis”(LTC 37). Esta definição está corroborada também pelo Anônimo Perusino. Era lógico que as pessoas lhes fizeram muitas perguntas, quando eles iam caminhar “pelos campos e cidades” como tantos outros devotos pertencentes a grupos da Igreja, alguns deles heréticos: “Alguns os interrogavam: ‘De onde sois?’. Outros: ‘A que ordem pertenceis?’. Eles respondiam claramente: ‘Somos penitentes, oriundos da cidade de Assis’. Pois a religião de irmãos ainda não chamava Ordem”(AP 19).

Este pequeno grupo de “penitentes de Assis” seguia as orientações de Francisco: “Dividiu-os dois a dois, pelas diversas partes do mundo, anunciando aos homens a paz e a penitência para remissão dos pecados”(1Cel 29). Assim permanecem até abril de 1210, quando Inocêncio III lhes confere a tonsura (LTC 52) e lhes encarregam a missão de pregar a todos a penitência (1Cel 39). Este acontecimento é de capital importância: os homens de Assis passam do “estado de penitência” ao “estado clerical”, de Penitentes se tornam Menores, dando origem a Ordem dos Frades Menores.

Francisco compreende que não só deve viver a penitência, como também pregar a conversão ao Senhor (1Cel 22) e começa a pregar a penitência (1Cel 23). O primitivo ideal de penitência de Francisco, espontâneo e laical, continuará no movimento penitencial franciscano, a Ordem da Penitência fundada por Francisco, em seus ramos:

– a Terceira Ordem Regular

– a Ordem Franciscana Secular

O apostolado itinerante de Francisco suscita um amplo renascer religioso entre o povo cristão. Sua simplicidade, humildade e familiaridade fazem com que sua mensagem evangélica seja acessível; sua pobreza e sua fé na Igreja são a resposta de esperança aos cristãos. Isto lhes infunde animo e confiança. Francisco anuncia uma terapia evangélica baseada nas Bem-aventuranças, anuncia a paz, a pobreza, a penitência e conversão do coração.

Estes valores, que antes eram exclusivos ao clero e aos monges, agora Francisco lhes dão aos seculares. Muitos cristãos, que vivem no mundo, optam viver o Evangelho ao estilo de Francisco no seu processo de conversão (Test. 3).

O primeiro de seus biógrafos, Tomás de Celano, afirma:

“Corriam a ele homens e mulheres; os clérigos e os religiosos acorriam pressurosos para ver e ouvir o Santo de Deus, que a todos parecia homem de outro mundo” (LM 4,5).

“Gentes de toda idade e sexo apressavam-se para contemplar as maravilhas que o Senhor renovava no mundo por meio de seu servo” (1Cel 36).

“Por todas as partes ressoavam hinos de gratidão e de louvores; tanto que muitos, deixando os cuidados das coisas do mundo, encontraram, na vida e no ensinamento do beatíssimo Pai Francisco, conhecimento de si mesmos e incentivo para amar e venerar o Criador. Muita gente do povo, nobres e plebeus, clérigos e leigos, tocados de divina inspiração, se chegaram a São Francisco, desejosos de militar sempre sob sua direção e magistério… irrigando a todos eles com a água de seu carisma e adornava com flores de virtudes o jardim de seus corações: na verdade, era um egrégio artífice, a cujo exemplo, regra e ensinamento – deixando fora o elogio – em ambos os sexos se renovava a Igreja de Cristo e triunfava a tríplice milícia dos que devem salvar-se. E a todos dava uma forma de vida e demonstrava de maneira segura a via da salvação em todos os graus” (1Cel 37).

É neste contexto que nasce o movimento penitencial franciscano. São os Penitentes franciscanos [em breve se chamarão também: “Terceira Ordem de São Francisco”]. Trata-se de uma realidade nova, que não podemos confundir com os Penitentes voluntários ou com outros grupos de Igreja daquele tempo. Os “irmãos e irmãs da penitência”, que os seguem, Francisco lhes dá uma sucinta forma de vida:

– na 1ª Carta aos fiéis (1215)

– na 2ª Carta aos fiéis (1221),

– e também lhes dá uma regra jurídica com a Memoriale propositi (1221).

Em seu apostolado itinerante e com a promoção de seus penitentes Francisco de Assis contribuiu de forma extraordinária na revitalização da vida espiritual dos leigos cristãos fazendo-os participantes de sua mesma experiência evangélica. Desta forma o carisma franciscano foi se estendendo aos seculares e estes constituem uma parte essencial da família franciscana.

Depois do Concílio Vaticano II, com a finalidade de aprofundar sobre a própria identidade da Terceira Ordem [tanto da TOR como da OFS], foram organizados numerosos “Congressos de Estudos” internacionais. Participaram estudiosos de toda a família franciscana. As Atas têm sido publicadas pelo Instituto Histórico dos Capuchinhos e pelo Franciscanum de Roma. Têm acontecido outros Congressos cujo tema tem sido mais específicos sobre a Terceira Ordem de São Francisco.

Coleção: Siguiendo las huellas de San Francisco de Asís. Vol. 1, p. 290.

Dossiê elaborado por frei Corpus Izquierdo, TOR, 2000.

Província Espanhola da Imaculada Conceição da T.O.R.

São Francisco e os Penitentes

Na época de São Francisco pertencer a Ordem dos Penitentes representava um estado definitivo e permanente de vida, semelhante ao estado religioso. Uma situação canônica diferente dos modernos grupos da Igreja, em que reinam a máxima espontaneidade. Dóceis à ação do Espírito Santo, os Penitentes voluntários viviam em fraternidades conforme a um mesmo projeto e forma de vida, um propositum.

Isto significa que “no meio”, entre os “Penitentes voluntários” e a “Ordem dos monges” se encontram os Conversos, homens e mulheres que seguem vivendo no mundo e exercendo sua a própria profissão (como os Penitentes), mas assumem livremente alguns compromissos próprios de monges: a castidade voluntária, jejuns, mortificações, intensa vida de oração, etc. Rejeitam o mundo e suas vaidades (=aversão) e se dedicam inteiramente a Deus (=conversão).

Neste contexto temos que colocar a figura profética de Francisco de Assis e sua missão carismática. No seu Testamento de setembro de 1226 é o mesmo Francisco que recorda comovido sua vocação a vida penitencial, graças à benevolência do Senhor. Na Igreja do seu tempo “ser penitente” identifica um tipo de vida religiosa que exige um “sair do mundo”, quer dizer, livrar-se da trama das preocupações terrenas para começar caminhos mais audaciosos numa via de perfeição evangélica.

A “penitência” ocupa, portanto, um ponto característico na experiência evangélica de São Francisco e também a Ordem dos Penitentes vive de maneira particular esta espiritualidade. O cronista Jordano de Jano escreve: “Francisco, comerciante de profissão, arrependido e movido pelo Espírito Santo, começou uma vida de penitência com o hábito de eremita”(Crônica 1: FF 2323). Depois de um sofrido itinerário vocacional, Francisco encontra a luz e a força de decisão na escuta da passagem do Evangelho sobre a missão dos apóstolos. Na igrejinha da Porciúncula Francisco compreende que não só deve viver a penitência, mas também pregar a conversão ao Senhor. Por isso, começa a pregar a penitência. Provavelmente numa terça-feira, 24 de fevereiro de 1209, festa de São Matias apóstolo.

No princípio Francisco e seus companheiros vestem o hábito eremítico, com um cordão na cintura: “Abandonada todas as coisas, os dois vestiram [Bernardo e Pedro] o mesmo hábito que há pouco havia vestido o Santo depois de deixar o hábito de eremita; e desde então viveram unidos segundo a forma do Santo Evangelho que o Senhor lhes havia manifestado”(LTC 29).

Tomaram, pois, o hábito de cor cinza dos penitentes. A Legenda dos três Companheiros diz: “Quando o bem-aventurado Francisco acabou a obra da Igreja de São Damião, vestia o hábito de eremita, levava bastão e cajado e cingido com uma correia” (LTC 25). “Chegando ao conhecimento de muitos a verdade tanto da doutrina simples como da vida do Bem-aventurado Francisco, após dois anos desde a sua conversão, alguns homens começaram a ser animados pelo exemplo dele à penitência e, tendo renunciado a todos os [seus] haveres, começaram a aderir a ele no hábito e na vida”(LTC 27). Depois da triple consulta ao Evangelho, efetuada no dia 16 de abril de 1209 na Igreja de São Nicolau, paróquia dos comerciantes, também os seguidores de Francisco vestem o hábito penitencial que Francisco havia tomado a pouco tempo, depois de haver deixado o hábito de eremita.

Começa aqui, nesta Igreja situada na praça da prefeitura de Assis, a fraternidade franciscana minorítica como comunidade feita. Em seu apostolado itinerante estes primeiros missionários franciscanos se identificam como “penitentes de Assis”(LTC 37). Esta definição está corroborada também pelo Anônimo Perusino. Era lógico que as pessoas lhes fizeram muitas perguntas, quando eles iam caminhar “pelos campos e cidades” como tantos outros devotos pertencentes a grupos da Igreja, alguns deles heréticos: “Alguns os interrogavam: ‘De onde sois?’. Outros: ‘A que ordem pertenceis?’. Eles respondiam claramente: ‘Somos penitentes, oriundos da cidade de Assis’. Pois a religião de irmãos ainda não chamava Ordem”(AP 19).

Este pequeno grupo de “penitentes de Assis” seguia as orientações de Francisco: “Dividiu-os dois a dois, pelas diversas partes do mundo, anunciando aos homens a paz e a penitência para remissão dos pecados”(1Cel 29). Assim permanecem até abril de 1210, quando Inocêncio III lhes confere a tonsura (LTC 52) e lhes encarregam a missão de pregar a todos a penitência (1Cel 39). Este acontecimento é de capital importância: os homens de Assis passam do “estado de penitência” ao “estado clerical”, de Penitentes se tornam Menores, dando origem a Ordem dos Frades Menores.

Francisco compreende que não só deve viver a penitência, como também pregar a conversão ao Senhor (1Cel 22) e começa a pregar a penitência (1Cel 23). O primitivo ideal de penitência de Francisco, espontâneo e laical, continuará no movimento penitencial franciscano, a Ordem da Penitência fundada por Francisco, em seus ramos:

– a Terceira Ordem Regular

– a Ordem Franciscana Secular

O apostolado itinerante de Francisco suscita um amplo renascer religioso entre o povo cristão. Sua simplicidade, humildade e familiaridade fazem com que sua mensagem evangélica seja acessível; sua pobreza e sua fé na Igreja são a resposta de esperança aos cristãos. Isto lhes infunde animo e confiança. Francisco anuncia uma terapia evangélica baseada nas Bem-aventuranças, anuncia a paz, a pobreza, a penitência e conversão do coração.

Estes valores, que antes eram exclusivos ao clero e aos monges, agora Francisco lhes dão aos seculares. Muitos cristãos, que vivem no mundo, optam viver o Evangelho ao estilo de Francisco no seu processo de conversão (Test. 3).

O primeiro de seus biógrafos, Tomás de Celano, afirma:

“Corriam a ele homens e mulheres; os clérigos e os religiosos acorriam pressurosos para ver e ouvir o Santo de Deus, que a todos parecia homem de outro mundo” (LM 4,5).

“Gentes de toda idade e sexo apressavam-se para contemplar as maravilhas que o Senhor renovava no mundo por meio de seu servo” (1Cel 36).

“Por todas as partes ressoavam hinos de gratidão e de louvores; tanto que muitos, deixando os cuidados das coisas do mundo, encontraram, na vida e no ensinamento do beatíssimo Pai Francisco, conhecimento de si mesmos e incentivo para amar e venerar o Criador. Muita gente do povo, nobres e plebeus, clérigos e leigos, tocados de divina inspiração, se chegaram a São Francisco, desejosos de militar sempre sob sua direção e magistério… irrigando a todos eles com a água de seu carisma e adornava com flores de virtudes o jardim de seus corações: na verdade, era um egrégio artífice, a cujo exemplo, regra e ensinamento – deixando fora o elogio – em ambos os sexos se renovava a Igreja de Cristo e triunfava a tríplice milícia dos que devem salvar-se. E a todos dava uma forma de vida e demonstrava de maneira segura a via da salvação em todos os graus” (1Cel 37).

É neste contexto que nasce o movimento penitencial franciscano. São os Penitentes franciscanos [em breve se chamarão também: “Terceira Ordem de São Francisco”]. Trata-se de uma realidade nova, que não podemos confundir com os Penitentes voluntários ou com outros grupos de Igreja daquele tempo. Os “irmãos e irmãs da penitência”, que os seguem, Francisco lhes dá uma sucinta forma de vida:

– na 1ª Carta aos fiéis (1215)

– na 2ª Carta aos fiéis (1221),

– e também lhes dá uma regra jurídica com a Memoriale propositi (1221).

Em seu apostolado itinerante e com a promoção de seus penitentes Francisco de Assis contribuiu de forma extraordinária na revitalização da vida espiritual dos leigos cristãos fazendo-os participantes de sua mesma experiência evangélica. Desta forma o carisma franciscano foi se estendendo aos seculares e estes constituem uma parte essencial da família franciscana.

Depois do Concílio Vaticano II, com a finalidade de aprofundar sobre a própria identidade da Terceira Ordem [tanto da TOR como da OFS], foram organizados numerosos “Congressos de Estudos” internacionais. Participaram estudiosos de toda a família franciscana. As Atas têm sido publicadas pelo Instituto Histórico dos Capuchinhos e pelo Franciscanum de Roma. Têm acontecido outros Congressos cujo tema tem sido mais específicos sobre a Terceira Ordem de São Francisco.

Coleção: Siguiendo las huellas de San Francisco de Asís. Vol. 1, p. 290.

Dossiê elaborado por frei Corpus Izquierdo, TOR, 2000.

Província Espanhola da Imaculada Conceição da T.O.R.